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Na última quinta-feira, 9 de fevereiro, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) anunciou que em operação conjunta com a Receita Federal e forças policiais que retiraram de circulação cerca de 1,4 milhão de "tv box" não homologadas do mercado brasileiro.
Até aí, nada de novo no front, apenas uma versão moderna da apreensão de DVDs piratas. Não é a primeira operação que confisca esse tipo de aparelho. E muito menos é o tipo de ação que impede a proliferação de produtos irregulares no comércio popular.
Entretanto, a Anatel divulgou que também irá combater o acesso aos servidores que hospedam e fornecem o conteúdo midiático para essas "tv box". Para isso, a agência planeja bloquear os endereços de IP para impedir o acesso delas à filmes, séries e programações de canais de tv (IPTVs).
As "tv box" em si, são meros hardwares, bem como os computadores, tablets e celulares. Aliás, a grosso modo, são smartphones sem tela, sem bateria e com especificações técnicas já bem defasadas em relação aos modelos difundidos no mercado atualmente.
Muitas dessas caixinhas apreendidas podem ser encontradas à vendas legalmente sem aplicativos piratas instalados. Elas são muito úteis para transformar um televisor simples em "Smart" ou para remediar a obsolescência de uma Smart TV que já não consegue atualizar e desempenhar bem os aplicativos.
As "tv stick" são exatamente a mesma coisa, só em um formato mais reduzido e, devido a essa otimização, ficam um pouco mais atrás na corrida evolutiva de desempenho de hardware. Porém, já atingiram um nível tão satisfatório que caminham a passos largos para serem mais populares que as "tv box" como ferramenta para pirataria.
Os aparelhos de marcas mais famosas nessa categoria são o Google Chromecast, Amazon Fire TV Stick, Xiaomi Mi Box, Xiaomi Mi TV Stick, Apple Tv, Roku Express e Roku Streaming Stick.
Nos mercados populares, camelódromos, feiras do rolo e marketplaces de grandes lojas online, "tv box" e tv stick" além de serem vendidas como dispositivos para streaming pirata, também são vendidas como consoles de videogame, pois servem como uma estação de emulação de jogos antigos, digamos que passaram a ocupar o espaço do antigo "Polystation".
Aqui já ficou claro que a pirataria não acontece exatamente nas "tv box", elas são apenas um gadget com um software instalado que apresenta uma interface simplificada para acessar o conteúdo pirateado.
Elas acabam tendo um valor muito mais baixo que um notebook ou smartphone, opções que também podem servir para acessar a mesma pirataria, emitida nos mesmos servidores.
E não demandam que o usuário tenha algum conhecimento tecnológico para piratear filmes, séries e TV. Isso as tornam muito mais amigáveis, por exemplo, às gerações mais velhas que no máximo estão acostumados ao decodificador da TV a cabo. Ou, quem sabe até para os mais novos, acostumadas a consumir mídias nos celulares.
Hoje em dia, quem ainda sabe baixar um filme por torrent, parece um ser dotado de um saber ultra avançado. É até um segmento da pirataria em pleno declinio por puro hábito geracional. Baixar um arquivo ".mp3" de música virou uma atividade praticamente extinta, apesar de um download de "3 mb" agora se resolver em um estalo.
O streaming pirata é uma realidade enquanto streaming. É possível acessa-lo por qualquer navegador. Basta fazer uma busca no google digitando algo como "assistir tal coisa online" que vários sites aparecerão no resultado.
E esses sites, que volta e meia também são alvos de operações governamentais, são meros incorporadores de links, eles fazem uma curadoria, catalogam séries e filmes que estão hospedados em servidores de terceiros. (normalmente não se misturam com sites com fazem o mesmo com links de players que streamam programações de canais de tv).
A idéia é encher esses sites com anúncios, tanto que são um campo minado de pop ups, redirecionamentos e novas abas e janelas se abrindo. Qualquer coisa que lhes dão uma recompensa por click eles atocham lá.
E até na loja da Google Play é possível encontrar apps de streaming pirata, por mais que o Google com o tempo os bloqueiem, sempre surge um novo.
Fora que é possível baixar o app em arquivo bruto no formato ".apk" e instala-lo diretamente em um aparelho com sistema operacional android (smartphones, tablets e tv box) sem intermédio de uma loja oficial de aplicativos.
Logo, parece muito mais inteligente combater o streaming ilegal na fonte emissora onde ele opera de fato. O coração dessa pirataria está em servidores estrangeiros.
Melhor do que tentar combater a pirataria rogando praga, tentando incutir o medo nas pessoas em pegar um virus, trojan, backdoors, malwares ou seja lá o que for, como se fosse uma autoridade eclesiástica medieval.
Mas chama a atenção que os planos apontados pela Anatel evidencia uma grande hipocrisia, uma vez que seria uma medida até mais eficaz no combate aos sites de apostas, também uma atividade ilegal no Brasil.
Nos primórdios da internet um dos sites nacionais mais famosos era o "Cocada Boa". Era uma pagina de humor que tinha em seu rodapé os dizeres "Quer nos processar? Boa sorte! Nosso site está hospedado na Eslovênia".
Assim, muitos se questionam: se apostas e jogos de azar em geral são ilegais como é que os sites de apostas estão cada vez mais presentes no Brasil? Lembrando que eles, alem de apostas em prognósticos, como jogos esportivos, também possuem cassinos virtuais.
Na verdade o subterfúgio é dizer que são serviços internacionais, que estão hospedados em servidores localizados em países onde não são atividades ilegais.
Esse é um dilema dos serviços digitais. Neflix, Spotify, HBO Max, Playstation Network (PSN), app de idiomas, assinaturas de softwares como Microsoft 365 (Office), Photoshop, AutoCAD, etc; são serviços estrangeiros.
Nos videogames a indústria chama de "game as a service", que engloba tanto planos de assinaturas, como microtransações para compras pontuais, como roupinhas para personagens no Fortinite.
Muitas desenvolvedoras de jogos adotam um sistema chamado de "Loot box", um pacote de recompensas aleatórias que podem ser dadas gratuitamente ou compradas pelos jogadores.
No jogo de futebol FIFA isso se dá sob o véu de pacotes de figurinhas. Acontece que a mecânica disso é a mesma de jogos de azar, como de uma roleta ou máquina de caça níquel.
Na prática as pessoas ganham recompensas mais insignificantes em "loot boxes" gratuitas e ficam comprando mais pacotinhos para aumentar a probabilidade de ganharem os itens mais almejados.
A Eletronic Arts, desenvolvedora do FIFA e uma das empresas mais agressivas no uso das "loot boxes", foi processada por diversos países e condenada na Holanda. A prática passou a ser objeto de escrutínio das autoridades europeias e americanas.
Portanto, os jogos de azar em diversos graus de complexidade podem estar sendo ofertados no Brasil como serviços estrangeiros.
O planos da Anatel para bloquearem os endereçamentos das IPs dos servidores utilizados pelos streaming piratas funcionariam perfeitamente para os sites de apostas.
E de maneira até mais eficaz, porque o streaming ilegal não precisa ter um vinculo com o usuário, não precisa ter conta cadastrada. Ele é mais fluido, pode muda de servidor rapidamente, de endereçamento, há VPNs para burlar as localizações de acesso, etc. Ainda pode ser um desafio de tentar enxugar gelo.
Os sites de aposta, pelo contrário, precisam de um canal permanente de contato com seus usuários e que os dois tenham um foro determinado. Seria cortar o cordão umbilical, ou joga-los para fora das nossas margens.
Contudo, o realismo capitalista faz com que pensamos que os sites de apostas já vieram para ficar, é algo inexorável. A tendencia é só se consolidarem. E qualquer movimentação contra vai provocar uma movimentação do Congresso para regulamentar a prática a toque de caixa.
São empresas que já viraram grandes anunciantes da mídia hegemônica e patrocinadores dos maiores clubes de futebol do país. Um hobby cada vez mais difundido e naturalizado entre as pessoas.
Quando times de futebol começaram a estampar patrocínio de sites de aposta em suas camisa, em alguns países era permitido, em outros não. Nas Liga dos Campeões o Real Madrid jogava de uniforme limpo, porque a UEFA não permitia.
Era um cenário parecido no momento em que a publicidade de cigarros começou a ser proibida em boa parte dos países europeus. Em algumas corridas de F1 a Ferrari poderia estampar a marca da Marlboro, em outras não.
A diferença é que foram duas coisas que caminharam em sentidos opostos.
Mas não deixa de ser curioso que os sites de apostas até o momento são tão ilegais quanto um streaming pirata, mas não há a percepção que eles prejudiquem a economia e a vida das pessoas da mesma forma. Eles aparentemente não estão interferindo em um mercado estabelecido e concorrendo contra empresas poderosas. Muitos vão dizer que "é até um mercado novo que está se abrindo".
Portanto, pau que dá em Chico, não precisa dá em Francisco.