
Tetris e o Anticomunismo
Na comunicação de massa o audiovisual ajuda a moldar todo um imaginário coletivo sobre os mais diversos temas e a sociedade em geral. A situação piora quando essa indústria cultural decide adaptar histórias baseadas ou inspiradas em eventos reais. O público em geral não faz o exercício crítico de separar o que pode ser verdade ou uma mera licença poética. Muitas vezes, apenas assimilam o que assistem como se fossem acontecimentos reais.
Em "Tetris", esse "imaginário construído" tem como fonte as produções hollywoodianas do período da Guerra Fria, tipicamente maniqueístas na propaganda anticomunista. Essa é uma abordagem perigosa no momento em que ainda transcorre uma guerra entre Rússia e Ucrânia. Assim, soa irônico que este filme tenha sido produzido agora, pois fica parecendo uma peça publicitária contra conta Putin.

Trata-se de um thriller que mistura um jogo ícone da história dos videogames com espionagem, onde na trama acompanhamos o executivo Hank Rogers (Taron Egerton) tentando licenciar o jogo Tetris, criado por Alexey Pajitnov (Nikita Efremov), para além da URSS.
Com quase duas horas de duração, Tetris prende a atenção por dois motivos. Primeiro, porque lida com a curiosidade das pessoas em descobrirem como aconteceu a corrida para licenciar um dos jogos mais famosos do mundo. E o segundo motivo, é a narrativa dinâmica com que o diretor Jon S. Baird conduz a trama, abusando do uso de pixeis como recurso visual.

Além disso, é notável a presença de arquétipos caricatos do discurso anticomunista. Isso fica evidente, por exemplo, em uma cena que uma cidadã soviética grita por Coca-Cola e Levi's (calça jeans). Ou quando se explora uma paranoia de perseguição governamental, onde qualquer pessoa na rua poderia ser um agente da KGB vigiando os protagonistas, só para servir de recurso de suspense para o filme.
Os eventos se passam em 1988, durante o mandato de Mikhail Gorbatchov como Secretário Geral da URSS. Governante que ficou conhecido por ter implementado importantes reformas políticas e econômicas, como a Perestroika e a Glasnost.
Enquanto no filme há uma festa clandestina onde se clama por democracia, em 1991 fora realizado um plebiscito nas repúblicas soviéticas onde a maioria votou pela manutenção do bloco comunista. Ocorre que um golpe liderado por Boris Iéltsin, Leonid Kravchuk e Stanislav Shushkevich resultou na dissolução da União Soviética em dezembro daquele ano.

Contudo, uma das coisas que mais incomoda é a caracterização do personagem de Valentin Trifonov (Igor Grabuzov). Representado por uma indumentária preta, com cabelo cheio de gel penteado para trás em um clichê máximo de vilão. Trifonov, na verdade foi um político que teve participação no estabelecimento do estatuto bolchevique, no início do século XX. Ele não participou dos eventos do filme e nem era da KGB.

Posto isto, por mais que tenha gostado do filme, me preocupa quando penso que ele é baseado em fatos reais. Isso, porque tem todo um discurso estadunidense típico da guerra fria e estamos em um contexto onde os EUA está rivalizando diretamente com a Rússia.
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