Detetive Chinatown: O Mistério de 1990 | Crítica




Detetive Chinatown 1900 chega aos cinemas como um thriller de época divertido e politizado — e revela um lado sombrio da história americana que poucos conhecem.


    A Sato Company acerta em cheio ao trazer para os cinemas brasileiros Detetive Chinatown 1900, o quarto e mais ambicioso filme da franquia estrelada por Wang Baoqiang e Turbo Liu. Desta vez, a dupla interpreta os ancestrais de seus personagens dos filmes anteriores, em uma prequela ambientada na São Francisco de 1900, onde um assassinato em Chinatown coloca a comunidade chinesa no centro de uma trama de preconceito, tensão social e conspiração política. Dirigido por Sicheng Chen e Mo Dai, o longa mistura mistério e crítica social com precisão cirúrgica.

    A franquia Detetive Chinatown começou em 2015, com uma história ambientada em Bangkok. Qin Feng, um jovem aspirante a policial, é reprovado num teste e decide visitar o “tio” Tang Ren — que ele acredita ser o maior detetive da Chinatown local. A visita rapidamente se transforma numa missão para resolver um assassinato. Nos filmes seguintes, lançados em 2018 e 2021, a dupla continua unida, agora em investigações que os levam de Nova York a Tóquio. Wang Baoqiang e Liu Haoran interpretam Tang Ren e Qin Feng, misturando humor e dedução em tramas contemporâneas que conquistaram o público.

    Em Detetive Chinatown 1900, a narrativa retorna ao passado. A filha de um congressista influente — conhecido por seu ódio declarado aos imigrantes asiáticos — é assassinada, e o principal suspeito é justamente o filho de Bai Xuanling, uma figura de grande prestígio em Chinatown. A notícia se espalha rápido e inflama a cidade, gerando uma onda de ódio racial e pressão pelo fechamento do bairro chinês.

    Na tentativa de salvar o filho e conter a perseguição, Bai recorre a Qin Fu, um jovem estrategista apelidado de “mestre do raciocínio”. Ele se une a Ah Gui, um homem recém-chegado à cidade que busca vingança pela morte do pai adotivo. Juntos, os dois embarcam em uma investigação repleta de reviravoltas, tentando descobrir o que realmente aconteceu — e quem teria a ganhar com a tragédia.


    O mistério se funde à comédia de forma eficaz, resultando em momentos que realmente divertem o espectador. A parte investigativa do filme é sólida, ancorada em referências à figura de Jack, o Estripador — aqui reimaginado como o “Jack Estripador Chinês”. O ritmo é rápido e dinâmico, especialmente após o início um pouco mais arrastado. A investigação prende a atenção com pistas bem distribuídas e reviravoltas que não subestimam a inteligência do público.

    Além da dupla principal, os personagens da Guarda Real também merecem destaque: são eles que puxam as cenas mais escancaradamente cômicas do longa. Qin Fu e Gui, por sua vez, formam uma parceria que remete ao humor de Asterix e Obelix — com Gui no papel de “Obelix” e Qin Fu como o cérebro da dupla, o “Asterix” chinês. Juntos, eles equilibram bem ação, dedução e leveza, tornando o filme mais acessível e divertido sem perder densidade.

    Mais do que um bom filme de mistério, Detetive Chinatown 1900 é também um drama político envolvente, que toca em temas delicados como xenofobia, identidade e poder. O pano de fundo histórico reforça a importância da participação chinesa na construção da Califórnia — especialmente em São Francisco, onde se formou uma das comunidades mais antigas e resilientes da diáspora asiática nos Estados Unidos. Desde a Corrida do Ouro, no século XIX, trabalhadores chineses contribuíram diretamente para o crescimento econômico da região, com destaque para a construção da Primeira Ferrovia Transcontinental. Mesmo diante de leis excludentes como o Chinese Exclusion Act de 1882 e episódios brutais como o Massacre de Rock Springs (1885), essa comunidade resistiu e ajudou a moldar a identidade cultural e urbana da cidade, transformando Chinatown num símbolo de força, memória e resistência.

    O roteiro do filme toca em eventos reais, como a exclusão dos imigrantes chineses e a repressão violenta a essa população. São referências que enriquecem a trama e que, mesmo em aparições breves, têm impacto significativo. Um exemplo de como o contexto histórico ressoa culturalmente é o curioso caso de um programa de rádio do Superman, transmitido nos anos 1940, no qual o herói defende uma família sino-americana da perseguição racial. Esse detalhe ilustra bem como, ao conhecer a história da imigração chinesa nos EUA, passamos a compreender melhor os preconceitos ainda existentes contra essa comunidade.

    Apesar de alguns problemas — como o início lento e a falta de um destaque mais claro sobre o papel histórico da população chinesa no desenvolvimento urbano de São Francisco —, o filme compensa com uma trama bem construída e momentos de tensão política bem amarrados. As duas horas de filme oferecem uma experiência envolvente, inteligente e inesperadamente educativa.

    Detetive Chinatown 1900 é uma ótima pedida para quem busca algo além dos blockbusters americanos habituais. Além de entreter, o longa convida à reflexão sobre um capítulo pouco conhecido da história dos Estados Unidos. Se for bem recebido, pode até trazer os filmes anteriores de volta aos catálogos de streaming no Brasil — e, com sorte, abrir espaço para mais filmes chineses nas salas de cinema nacionais.

Nota: 7/10