Por que o Superman Clássico e o Jesus Gentil Estão "Fora de Moda"?

 

    Se o artista é fruto do seu tempo, sua obra também o é. Logo, ninguém está verdadeiramente “à frente do seu tempo”. Essa é uma máxima que precisa ser repetida e propagada sempre — para não cairmos nas armadilhas da idealização. O que por vezes parece uma visão vanguardista é, na verdade, a manifestação de anseios e tendências já presentes na sociedade, que o artista, como um espelho sensível, apenas capta e expressa.

    Essa ideia — de que o ser humano é, inevitavelmente, um “fruto do seu tempo” — é amplamente explorada na filosofia e nas ciências sociais, sob o nome de determinismo cultural ou social. Segundo essa perspectiva, nossas crenças, valores e até mesmo a forma como idealizamos heróis e divindades são moldadas pelo contexto histórico e cultural em que vivemos. Pensadores como o sociólogo francês Émile Durkheim e o filósofo alemão Wilhelm Dilthey apontaram como as estruturas sociais e as condições de uma época moldam tanto a consciência individual quanto a coletiva. Aquilo que percebemos como “novidade” ou “vanguarda” nada mais é do que o reflexo de tendências latentes que já circulam silenciosamente na cultura. E o artista — ou o herói — é, antes de tudo, um catalisador disso.

O Superman que o Tempo Moldou (e Desfigurou?)

    Há algum tempo, tem-se argumentado que as pessoas “não estão preparadas” para um Superman clássico e bondoso. Mas eu diria mais: talvez elas não queiram mais o verdadeiro Superman. Após a versão brutal apresentada em Injustice e a abordagem sombria de Zack Snyder nos cinemas, ficou claro que, no contexto atual, o público parece desejar um herói todo-poderoso, que está acima da justiça e impõe a ordem com os próprios punhos.

    Essa preferência por uma figura de poder inquestionável revela uma mudança profunda na forma como idealizamos o herói. Talvez impulsionados pelo cansaço diante das crises políticas, ambientais e sociais, passamos a desejar soluções imediatas — mesmo que autoritárias.

    Mas o Superman que me comove é outro.

    É o herói que escuta um grito de socorro para salvar um gatinho preso numa árvore.
É o que ajuda uma senhora a atravessar a rua.
É aquele que coloca os problemas alheios acima dos próprios, e que luta pela justiça mesmo quando isso compromete sua imagem.

    Quando lemos histórias como Paz na Terra, testemunhamos um Superman que tenta de todas as formas acabar com a fome no mundo — e falha. E nesse fracasso, vemos algo essencial: nem o Homem de Aço é capaz de resolver sozinho as mazelas da humanidade. Ele sente, sofre, carrega o peso de não conseguir resolver tudo — mas não recorre à força bruta para forçar uma solução.

Pelo contrário.
Ele ensina — como Clark Kent.
Ele planta. Cultiva. Inspira.
Mostra que a fome não será resolvida por um único homem, mas sim por todos nós, habitantes do mesmo planeta.

    Superman é o herói que nos lembra de não desistir do que é certo, mesmo quando tudo empurra para o contrário. Ele nos alerta para os perigos das soluções fáceis, rápidas e violentas.

Mas esse Superman está fora de moda.

    A sociedade — ou melhor, o espírito do tempo — o abandonou.
O herói benevolente foi substituído por figuras como o Superman autoritário de Injustice, o messiânico e sombrio de Snyder, ou o cínico e sádico Capitão Pátria de The Boys. Heróis, hoje, são os que aplicam a justiça que eles mesmos definem. E nós aplaudimos.

Jesus: A Benevolência Também Fora de Moda?

Tão fora de moda que nem Jesus escapou.
O Jesus do Novo Testamento — que prega o amor, a humildade e a compaixão — hoje parece apagado por interpretações endurecidas de sua figura.

Gálatas 5:22-23: "Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei."

Filipenses 2:2-5: "Tenham o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude. Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus."

    Esses trechos mostram um Cristo que ensina mansidão, bondade, empatia. Um Deus que não impõe, mas acolhe.

    Mas basta olhar para o discurso de muitos líderes religiosos hoje para perceber o quanto essa imagem está sendo substituída. O que se propaga é um "Deus" punitivo, autoritário, que julga, impõe e castiga. Um espelho da sociedade que deseja líderes fortes, duros, infalíveis — mesmo quando cruéis.

A Esperança em Tempos Sombrios

    O novo filme de James Gunn tenta resgatar esse Superman clássico — o Superman da esperança. Mas será que estamos prontos para isso?

    Será que a sociedade, hoje, quer mesmo reencontrar esse herói gentil, que representa a compaixão, o cuidado, o sacrifício? Ou já nos acostumamos demais ao cinismo?

    É uma pena. Porque parece que estamos nos afastando, cada vez mais, da empatia, da civilidade, da gentileza.

    Mas, como um bom discípulo da esperança, sigo acreditando.
Sigo fazendo o que é certo, mesmo que ninguém esteja olhando.

    Porque, no fim das contas, Superman é o herói que nos lembra de não desistir do que é certo — mesmo quando é difícil.
E essa mensagem, mais do que nunca, é atemporal.