Crítica – A Hora do Mal (Weapons): Spoiler

 

O diretor Zach Cregger apresenta em A Hora do Mal (Weapons) um terror moderno com ecos de contos dos Irmãos Grimm, repleto de simbolismo e moralidades ocultas. O resultado é uma obra tensa e intrigante, que vai muito além dos sustos para explorar os medos coletivos e as feridas sociais que carregamos.

O desaparecimento inexplicável

    
    A trama se inicia em uma quarta-feira aparentemente comum, quando todos os alunos de uma mesma sala desaparecem misteriosamente — com exceção de um único garoto. Às 2h17 da manhã, sem sinais de violência, as crianças simplesmente se levantam e saem no escuro, como se estivessem obedecendo a um chamado invisível. Nunca mais são vistas.

    O mistério se intensifica ao descobrirmos que o desaparecimento envolve apenas os estudantes da professora Justine (Julia Garner). Por que apenas sua turma? Quem estaria por trás de tudo? E, talvez mais perturbador, qual é o verdadeiro motivo desse sumiço coletivo?

Uma narrativa em capítulos


    O filme se estrutura em seis capítulos, cada um explorando a perspectiva de um personagem diferente. Antes disso, um breve prólogo, narrado pela jovem Scarlett Sher, avisa: “A história que vocês vão ouvir é real.”

A partir daí, acompanhamos:

Justine (Julia Garner), a professora marcada pelo escândalo;

Acher (Josh Brolin), um pai em busca do filho desaparecido;

Paul (Alden Ehrenreich), o policial com problemas;

James (Austin Abrams), um morador de rua dependente de heroína;

Marcus (Benedict Wong), o diretor da escola;

Alex (Cary Christopher), o único aluno sobrevivente à noite misteriosa.

   Essa estrutura permite que o público monte o quebra-cabeça aos poucos, sentindo o peso de cada escolha, silêncio e detalhe visual — desde a fotografia sombria até planos que nos fazem reparar em elementos estranhos e incômodos, como uma porta que se abre sozinha, convidando para algo que talvez seja melhor não entrar.


Bruxaria e o peso do estigma


    Um dos aspectos mais marcantes é como o filme insere a acusação de bruxaria como reflexo de preconceitos antigos e persistentes. Quando as 17 crianças da turma somem, a reação imediata da comunidade é culpar Justine, sem provas. A hostilidade atinge seu ápice quando alguém picha seu carro branco com a palavra
“WITCH” em vermelho, marcando-a publicamente.

    A cena remete a A Letra Escarlate, em que a protagonista é condenada a carregar um símbolo de vergonha. Aqui, a “marca” serve para estigmatizar Justine, tornando-a alvo constante de olhares e julgamentos.

    Essa crítica não é apenas ficcional: casos reais recentes mostram como mulheres ainda podem ser acusadas de “bruxaria” e sofrer violência. Em 2014, no Guarujá (SP), uma mulher foi linchada até a morte sob a acusação infundada de praticar magia negra com crianças. Em 2021, no Mato Grosso do Sul, outra mulher foi brutalmente agredida por vizinhos com a mesma justificativa. Conhecer esses fatos torna o terror do filme ainda mais crível — e assustador.


Símbolos, números e teorias


    O filme é permeado por símbolos que alimentam teorias entre os fãs. O horário
2h17, momento exato do desaparecimento, intriga espectadores. Alguns associam o “2” à dupla central (a bruxa e o menino) e o “17” ao número de crianças sumidas — como se o garoto restante fosse um aprendiz.

    Cregger, no entanto, já declarou que escolheu 2h17 de forma intuitiva, mesmo sendo fã de O Iluminado e cogitando mudar para 2h37 como homenagem a Kubrick. Ainda assim, o número reaparece em outros elementos, como o rifle com “217” gravado, reforçando a sensação de que tudo está interligado.


Um terror que prende e provoca


    A Hora do Mal
se consolida como um dos melhores filmes de terror do ano até agora. Com mais de duas horas de duração, mantém o espectador tenso, curioso e atento a cada detalhe. Não é apenas sobre medo — é sobre paranoia, julgamentos apressados e o peso das histórias que contamos (ou escondemos).

    Se você gosta de um terror que provoca reflexão e te deixa pensando muito depois dos créditos, este é o filme certo. E, se puder, assista na tela grande — vale cada minuto.