Tron: Ares | Crítica com Spoiler

 


    Tron é uma franquia muito querida por seus fãs, mas para o grande público pode-se dizer que ela está “morta”. Seu primeiro longa, Tron: Uma Odisseia Eletrônica (1982), não desperta interesse entre novas gerações, especialmente em uma época em que há quase uma fobia de filmes antigos — o que dificulta atrair um novo público para revisitar ou descobrir a série.

    No primeiro filme, acompanhamos o engenheiro de computação Kevin Flynn, que descobre que o executivo Ed Dillinger roubou seus projetos. Ao tentar invadir o sistema para provar o crime, Flynn é transportado para dentro do mundo digital, onde precisa enfrentar um programa hostil que domina aquele ambiente. Dirigido por Steven Lisberger, o longa foi revolucionário para a época, especialmente pelos efeitos visuais inovadores, mas fracassou comercialmente. Com o tempo, tornou-se um cult movie e símbolo de uma era.

    Vinte e oito anos depois, a Disney deu nova chance à franquia lançando Tron: O Legado (2010). O filme foca em Sam Flynn, filho de Kevin (novamente interpretado por Jeff Bridges), e contou com participações de Bruce Boxleitner (Tron/Allan Bradley) e Dan Shor (Ram). O elenco inclui ainda Garrett Hedlund (Sam Flynn), Olivia Wilde (Quorra) e Michael Sheen (Zuse). Há também uma aparição não creditada de Cillian Murphy como Edward Dillinger Jr., sinalizando planos para uma continuação que nunca se concretizou. Apesar da trilha sonora marcante e da direção visual estilizada, o filme teve recepção mista, repetindo o destino do original. Ainda assim, inspirou a série animada Tron: Uprising, elogiada, mas rapidamente arquivada — coincidência ou não, pouco depois da compra de Star Wars pela Disney.

    Agora, quinze anos depois, a franquia retorna com Tron: Ares, protagonizado por Greta Lee e Jared Leto, que também assina a produção. A trama acompanha Ares (Leto), um programa de inteligência artificial enviado ao mundo real em uma missão perigosa, marcando o primeiro contato entre humanos e seres digitais. A narrativa busca discutir o que significa ser humano, enquanto Ares questiona sua própria programação e tenta compreender o mundo fora da rede.

    O problema é que Tron: Ares não se define. Não assume se é um soft reboot ou uma continuação direta. O roteiro hesita, repetindo a estrutura do segundo filme ao abrir com um prólogo em formato jornalístico. Dessa vez, em vez de focar em Kevin Flynn, acompanhamos as irmãs Kim. Há uma breve menção a Kevin, Sam Flynn e Quorra, mas o roteiro destaca que os dois últimos estão desaparecidos  repetindo o mistério deixado por Legacy.

    O roteiro se torna problemático ao apresentar situações sem consequência real. Por exemplo: Ares é enviado ao mundo real para sequestrar Eve. Os dois travam um embate com as motos do universo Tron, que mantêm o característico feixe de luz letal. Mesmo cruzando várias ruas da cidade com os feixes ligados, nada acontece além de uma bonita cena zenital (ângulo visto de cima para baixo), apenas para exibir o traço vermelho cruzando a cidade à noite.

    Parece que o diretor Joachim Rønning tenta segurar a ação e as consequências para o clímax, o que acaba prejudicando o ritmo e o desenvolvimento do filme. O filme também carece de bons cenários: ao tentar trazer o digital para o mundo real, se limita a ruas noturnas e mostra muito pouco do universo virtual, contribuindo para uma produção visualmente fraca e sem expressão.

    Outro problema é o desenvolvimento do roteiro, que lembra O Feitiço do Tempo (Groundhog Day), mas sem o looping temporal. Aqui, Ares e Athena são transportados para o mundo real e têm apenas 29 segundos de vida, precisando ser “reimpressos” constantemente para cumprir suas missões. Mesmo que a trama se passe fora da “Grade”, o foco se restringe a Eve Kim (Greta Lee), Julian Dillinger (Evan Peters) e os programas Ares e Athena. Personagens secundários e terciários são descartáveis, servindo apenas para preencher espaço.

    Tron: Ares tenta levantar boas reflexões, mas desenvolve suas ideias de forma rasa. Quando Ares descobre que Eve lê Frankenstein, de Mary Shelley, o roteiro sugere uma analogia interessante — o “Prometeu moderno” que se rebela contra seu criador. No entanto, a referência é explorada de modo superficial e pouco comunicativo, diluída em meio a subtramas mal resolvidas.

    A base narrativa gira em torno da tentativa de prolongar a existência dos programas no mundo real. Eve encontra nos arquivos de Flynn o “código permanente”, uma espécie de impressora 3D capaz de materializar entidades digitais — algo que Sam já havia conseguido com Quorra. Essa ideia, embora promissora, se perde em meio a um roteiro desorganizado.

    A trilha sonora é outro ponto fraco. O grupo Nine Inch Nails não entrega uma composição à altura da marcante trilha do Daft Punk em Legacy. Nenhuma música se destaca ou marca as cenas, e o resultado é uma trilha sem identidade ou emoção.

    Infelizmente, a Disney nunca soube como lidar com seu acervo criativo, e Tron é um exemplo vivo disso. É uma boa franquia, com potencial, mas constantemente mal executada. Quando acertou — como em Legacy —, engavetou o projeto. Agora, traz de volta a série em uma continuação sem propósito, sem direção e sem entender o próprio legado.