Era uma vez em Hollywood: a greve que pode mudar o jogo

Em meio a uma greve de roteiristas que já dura quase três meses, agora outra grande categoria do entretenimento dos Estados Unidos, o sindicato dos atores (SAG-AFTRA), decidiu aderir ao movimento, interrompendo suas atividades e paralisando Hollywood de vez.

Com essa dupla paralisação, muitas produções que já tinham recebido sinal verde tiveram que ser interrompidas.

Uma das principais reivindicações dos trabalhadores é em relação às remunerações residuais dos filmes e séries exibidos em serviços de streaming, bem como ao uso de Inteligência Artificial nas produções audiovisuais.

A princípio, aqueles que mais perdem com isso são os que dependem de um fluxo constante de novas atrações. Salas de cinema e plataformas de streaming precisam de novos conteúdos para movimentar seus negócios.

Disney Plus, HBO Max e outras empresas estão enfrentando um momento delicado. Ao mesmo tempo em que reduzem os investimentos em novas produções de peso, também estão diminuindo seus catálogos para evitar o pagamento de verbas residuais aos profissionais da indústria.

Mas e a Netflix? Provavelmente, a gigante vermelha seja a empresa menos afetada nessa batalha no front das produtoras. Um dos principais motivos para isso é sua boa rede de financiamento e distribuição de produções não estadunidenses.

"Casa de Papel", "Dark", "Round 6" e "RRR" são alguns exemplos de obras que conquistaram o público ao redor do mundo.

Por não poder contar com os principais produtos dos grandes estúdios, pois, com exceção à Sony, todos apostaram em plataformas próprias, a Netflix acabou habituando a audiência a também consumir conteúdo não hollywoodiano e em outros idiomas além do inglês. Um reflexo disso foi a vitória paradigmática do fenômeno sul-coreano "Parasita" no Oscar, por exemplo.

Vale lembrar que, da última vez que o mercado do entretenimento foi afetado, em razão da pandemia, a Netflix conseguiu emplacar até mesmo o espanhol "O Poço" nas rodas de discussões. Isso sem mencionar animes, doramas e novelas turcas.

Por outro lado, a Disney pode ser a empresa em pior situação. Provavelmente, ela é a que tem a imagem mais fortemente associada à cultura americana e a que menos investe em produções internacionais.

A Disney fez uma aposta superestimada em acervo consolidado ao adquirir a FOX, quando está claro que o mercado de streaming é ávido por conteúdos inéditos. Além disso, ela sobrecarregou suas maiores franquias, como Marvel e Star Wars, com a produção acelerada de muitas séries de alto orçamento para impulsionar o Disney Plus.

Agora, a empresa está revendo sua estratégia, reduzindo e espaçando os novos lançamentos, que tendem a ser menos ambiciosos e seguir mais o formato de um tradicional seriado de TV. O novo Demolidor, por exemplo, já foi anunciado para uma longa temporada de 18 episódios.

Além disso, a empresa está planejando unificar seus serviços de streaming para evitar a divisão de esforços entre Disney Plus e Star Plus (correspondente ao Hulu nos EUA). Isso permitirá uma maior margem de manobra em seu catálogo, evitando a sensação de estagnação e o desgaste de suas maiores franquias com a produção excessiva de derivados.

Quanto à Warner, a situação é complicada, pois é uma empresa gigante que vem enfrentando dificuldades há décadas. Recentemente, foi adquirida pela Discovery, grupo midiático que ironicamente prosperou durante a última greve de roteiristas em 2007.

Naquela época, houve uma explosão de reality shows dos mais diversos tipos, desde competições de sobrevivência e apresentações artísticas até programas mostram a “vida real” de pessoas em suas mais diversas atividades, como o cotidiano de algumas profissões.

Foi nesse contexto que a Discovery reinou com produções de baixo custo, tendo um número sem fim de atrações de sucesso como: "A Prova de Tudo" (Bear Gryills), "Cake Boss", "Irmãos à Obra", "Masterchef", "Largados e Pelados", "Pesca Mortal", etc.

A nova direção da Discovery trouxe uma forte política de austeridade para a Warner. Entre diversas medidas draconianas, chegou até a cancelar lançamentos de filmes como "Batgirl" e "Scoob!: Holiday Haunt", que já estavam concluídos.

Resta apenas esperar e ver qual será a extensão dessa greve. Quanto mais tempo durar, mais impactantes serão seus efeitos, o que pode mudar significativamente o futuro da indústria.

Devemos sempre ter em mente que muitas vidas estão em jogo, não se trata apenas de celebridades e personalidades famosas, mas de um universo gigantesco de trabalhadores envolvidos. 

Além disso, é importante lembrar que roteiristas e atores também atuam em outras mídias. Teatros e musicais são igualmente afetados, bem como a produção de games que fazem uso de roteiro, dublagem e motion capture.