Game of Thrones: Um Legado que Precisa Ser Superado
Game of Thrones foi um marco cultural e televisivo, com popularidade global e impacto inegáveis. Contudo, colocá-la entre as dez melhores séries de todos os tempos parece um exagero que desconsidera a vasta produção audiovisual mundial. Apesar de seus méritos, a série não revolucionou as narrativas e, ainda assim, continua sendo usada como referência quase obrigatória para qualquer nova produção do universo televisivo.
A Obsessão pelas Comparações
Nos últimos anos, o hábito de comparar produções recentes com Game of Thrones intensificou-se, muitas vezes como estratégia de clickbait. Séries como Pinguim e Duna: A Profecia, da HBO, são frequentemente alvos de títulos como “O Game of Thrones da DC” ou “A Nova Game of Thrones da HBO”. Embora compreensível do ponto de vista comercial, essa tendência é, no mínimo, cansativa e, em muitos casos, desrespeitosa para com as obras.
Essas associações pressupõem que GOT seja um padrão absoluto de qualidade, ignorando a singularidade das produções comparadas. Duna, por exemplo, cujos elementos políticos e palacianos são frequentemente alinhados aos de Game of Thrones, foi publicado décadas antes do universo criado por George R. R. Martin. Reduzir obras a esse molde limita a apreciação do público e prejudica a análise crítica.
O Contexto Histórico e os “Arrasa-Quarteirões” Televisivos
Fenômenos como Game of Thrones não são inéditos. Nos anos 2000, Lost conquistou o público com uma estreia que custou entre 10 e 14 milhões de dólares, tornando-se referência instantânea. Antes disso, nos anos 1990, Os Sopranos transformaram as narrativas televisivas, sendo frequentemente apontada como a produção que amadureceu o drama na TV. Retrocedendo ainda mais, encontramos Miami Vice, que marcou os anos 1980 com episódios que custavam cerca de 1 milhão de dólares e uma primeira temporada indicada a 15 prêmios Emmy.
Embora cada uma dessas séries tenha sido revolucionária em seu tempo, não há a necessidade de buscar equivalentes a elas em cada nova produção. Game of Thrones, assim como essas, teve seu impacto, mas o apego ao passado recente se reflete em comparações que, muitas vezes, soam deslocadas.
Comparações Úteis, mas Contextualizadas
Comparar é natural e pode ser útil para situar uma obra dentro de um contexto familiar. No entanto, é essencial que essas análises sejam feitas com critério. No caso de Get Millie Black, nova série da HBO estrelada por Tamara Lawrance, é válido mencionar similaridades estilísticas com True Detective ou Luther, mas sem equipará-las em qualidade. A intenção deve ser destacar o estilo da narrativa, e não reduzir a identidade própria da produção.
Comparações descontextualizadas criam falsas expectativas e ofuscam o que há de único em cada obra. Pinguim, por exemplo, explora o submundo do crime em Gotham City, sem qualquer ligação temática ou estilística com GOT. Associá-la a Game of Thrones é um esforço vazio que desvia o foco de seus méritos individuais, como roteiro, direção e personagens.
Expectativas Irreais e o Impacto no Público
A prática de associar produções ao legado de Game of Thrones prejudica tanto criadores quanto espectadores. Quando uma série não alcança o mesmo impacto, é automaticamente criticada por “não ser tão boa quanto GOT”. Esse ciclo reforça um comportamento tóxico entre fãs, que frequentemente rejeitam críticas legítimas e falham em apreciar as obras em seus próprios termos.
Um Apelo à Originalidade
Game of Thrones ocupa seu lugar na história como uma série marcante, mas não deve ser o padrão universal para avaliar novas produções. O público que deseja revisitar a grandiosidade da série pode fazê-lo a qualquer momento. O papel da arte é ser avaliada por sua singularidade, sem o peso de expectativas geradas por fenômenos passados.
A pergunta que permanece é: o que queremos como espectadores? Continuar presos a um ciclo de comparações nostálgicas ou celebrar a originalidade de novas narrativas? A resposta deveria ser clara. A valorização de histórias únicas é essencial para que a indústria audiovisual continue a evoluir.
Conclusão: O Legado que Deve Ser Superado
Duna: A Profecia pode até adotar estratégias narrativas similares às de Game of Thrones, como intrigas políticas e um elenco vasto, mas essa abordagem, se usada de forma indiscriminada, pode se tornar um problema a longo prazo. A exaustão do público com formatos repetitivos já é perceptível. Sequências tardias, como House of the Dragon, e a insistência em replicar o modelo de GOT em diferentes cenários – seja no espaço, no mar, na terra ou até mesmo em Marte – podem desgastar o público televisivo.
A repetição desse molde narrativo não apenas satura o espectador, como também limita o potencial criativo de novas histórias, que poderiam inovar ao invés de seguir fórmulas consagradas. A indústria audiovisual precisa compreender que o público deseja mais do que variações de um mesmo tema. A grandiosidade de Game of Thrones já deixou sua marca, mas é hora de novas produções se destacarem por seus próprios méritos, sem carregar o peso de ser "o próximo GOT".
No fim das contas, o futuro da TV não depende de recriar o passado, mas de celebrar a originalidade e a coragem de contar histórias inéditas. A arte só continuará a prosperar se for capaz de se reinventar, deixando para trás o vício de viver à sombra de fenômenos anteriores.