Seria um erro imperdoável começar esta crítica sem uma contextualização essencial. Afinal, "Grande Sertão: Veredas" é uma obra que transcende o simples entretenimento, desafiando o público a mergulhar em um universo complexo e profundo. O filme de Guel Arraes, uma ousada releitura do clássico de Guimarães Rosa, pode facilmente ser mal-entendido por parte do grande público. Por isso, antes de julgar, é crucial compreender o que está por trás dessa nova adaptação. E mesmo que, após ler este texto, você ainda não goste do filme, ao menos terá argumentos sólidos e não cairá nos motivos errados.
O diretor Guel Arraes (O Auto da Compadecida) apresenta uma releitura da aclamada obra de Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas". A releitura é uma reinterpretação da obra original, adaptando "Grande Sertão" para um novo contexto. Em vez de se passar no sertão entre os Estados da Bahia e Minas Gerais, a nova trama se desenvolve em uma favela cercada por muros, isolada no meio de um sertão. Todos os elementos criados por Guimarães Rosa estão presentes, mas reimaginados e adaptados para situações da realidade atual, mesmo que o longa tenha um tom distópico.
Um dos grandes trunfos do longa dirigido por Arraes é a releitura que ele e Jorge Furtado dão à trama de Guimarães. Jogar a trama no contexto das favelas foi uma boa decisão para o desenvolvimento da história, ainda mais quando observamos elementos reais dentro da narrativa. A comunidade do filme, cercada por muros, lembra muito a favela da Maré, no Rio de Janeiro. A relação entre o crime e a polícia também é muito interessante e bem colocada, mostrando que as duas antíteses não passam de faces da mesma moeda.
As
referências também adquirem significados simbólicos, carregados de denúncia.
Por exemplo, Zé Bebelo (Luis Miranda), o comandante da
polícia, é retratado com toda uma iconografia fascista, revelando um jogo de
poder em que ele usa a corporação como trampolim para sua carreira política.
Isso destaca uma realidade inquietante de nossa sociedade: nas eleições de2022, 776 candidatos eram ligados à Polícia Militar, conforme reportagem do OGlobo. Como Zé Bebelo, muitos policiais buscam usar sua posição na corporação
como uma alavanca para a candidatura política.
A abordagem do diretor ao utilizar prosa nos diálogos do filme se destaca como uma escolha ousada, porém eficaz. Essa decisão contribui para uma atmosfera envolvente na trama, apesar de potencialmente causar estranheza para o público não acostumado com esse estilo. No entanto, um ponto de atenção são os momentos de exagero na interpretação de Caio Blat em prosa nas falas de Riobaldo. Embora possa ser uma escolha deliberada para conferir um tom teatral à sua performance, esse exagero ocasional pode necessitar de um equilíbrio melhor. Ainda que seja intencional, o exagero excessivo pode comprometer a naturalidade e a credibilidade da interpretação. Assim, é importante dosar esses momentos para evitar que se sobreponham à qualidade geral da atuação e da narrativa.
Embora o
filme comece com um bom ritmo, gradativamente perde o fôlego, deixando a trama
arrastada ao longo das quase duas horas de duração. Enquanto as cenas de
tiroteios se destacam, as de combate corpo a corpo deixam a desejar com lutas
mal coreografadas.
Nota: 6/10